A viagem de Mossoró a Pau dos Ferros/RN, neste dia 25/01/2014, feita pelos professores dos Saberes da Terra da Serra do Mel/RN, para assistirem a mais uma aula da Especialização em Educação do Campo, não se constitui uma jornada cansativa e nem tampouco um caminho sofrido e demorado – da sua saída até a sua chegada. Pelo contrário, é uma viagem em que a paisagem, acompanhada do abrir de mais um dia, se faz plena e se mostra em seu esplendor de fé e esperança, e cada um de seus habitantes sai para a labuta diária, seja ela de tirar o leite do peito da vaca, de pôr a cangalha no boi para capinar mais uma faixa de terra – esperando que os céus abençoem e, com isso, mandem, pelo menos, um terço da água que todo nordestino sonha para banhar suas terras – ou, então, começar a se preparar para “pegar” o transporte para ir fazer à feira da semana na cidade mais próxima.
O sertanejo ainda cultiva as suas origens, mas já começa a mudar a sua forma de viver. A modernidade vem chegando e já é possível ver os seus efeitos ao longo da estrada que serve de caminho para o destino final dos professores.
O sofrimento (seca, fome, sede) deixará de ser, em um espaço curto de tempo, a tônica das conversas do homem do campo – que se senta ao cair da tarde, em seus alpendres de pau a pique e relembra seus causos –, para dar lugar aos negócios feitos na velocidade que os tempos atuais exigem e que é quase impossível, para quem se insere nessa evolução, de não fazer parte deles.
Enquanto o carro avançava e os pensamentos se multiplicavam entre os seus ocupantes, a pergunta mais comum entre aquilo que eles pensavam e aquilo que eles estavam vendo era se, na verdade, toda essa contemporaneidade (máquinas, agronegócios, a diminuição da agricultura familiar, a dependência do campo com relação à cidade, a mudança da cultura) fazia bem ou mal ao homem do campo...
CHEGADA AO IFRN
Professoras dos Saberes da Terra do município da Serra do Mel (Antônia, Elizângela e Teresa) |
Sempre dando o exemplo de profissionalismo, o grupo dos professores do município da Serra do Mel/RN foi um dos primeiros a chegar ao Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN – na cidade de Pau do Ferros/RN.
Professores dos Saberes da Terra do município da Serra do Mel (Antônia, Elizângela e Raimundo Antonio) |
Professora Amélia - coordenadora do curso de Especialização em Educação do Campo |
A coordenadora do curso de Especialização, professora Amélia, deu as boas-vindas aos grupos ali presentes (104 professores matriculados no curso de Especialização em Educação do Campo), repassou alguns informes, definiu datas e esclareceu sobre mudanças no calendário, na grade curricular, no material didático, na camiseta do curso, nos horários, seminários, nas atividades práticas, etc.
A professora repassou as informações aos cursistas |
O padre Denis comandou a acolhida as equipes das DIREDs participantes |
A acolhida, desta feita, ficou a cargo da equipe de professores da cidade anfitriã do encontro. Pertencentes à 15ª DIRED, os professores participantes, tendo à frente dos trabalhos o professor, advogado e padre Júnior Denis da Silveira (da Igreja Síria Ortodoxa de Antioquia), foram recebidos, no auditório da instituição, com uma paródia, feita em cima da melodia “Ô Mamãe, ô que calor...”.
A equipe de professores da DIRED de Pau dos Ferros fazendo a acolhida aos demais professores |
Ô mamãe ô que calor, ô mamãe ô que calor,
Õ calor, calor do meu sertão...
Vou contar sobre as cidades aqui da nossa região,
Da Educação do Campo, da gente de plantação
Dos saberes da Terra, da Especialização...
E o grupo de professores de Pau dos Ferros foi acolhendo cada município participante e suas respectivas DIREDs (12ª, 13ª, 14ª e 15ª), dedicando um verso através do qual expressavam um pouco da sua história:
Pau dos Ferros é aqui,
Nasceu de uma oiticica,
Gado, ovelha e vaqueiros,
Cavalos e avecidas,
Hoje é cidade polo
Dessa gente, nossa lida.
Os professores sendo acolhidos... |
Encanto se desencanta
Com os floridos e varzados
Suas várzeas e planícies,
Serras, morros e cerrados,
Que tem São Sebastião
Como padroeiro amado.
[...]
Rafael é bem ali
Bem próximo aqui de nós
Que antes era varzinha,
Gangorra, peixe, anzóis,
Tem Luzia a padroeira,
Que é a protetora dos olhos.
... pelos professores de Pau dos Ferros (15ª DIRED) |
Riacho de Santana,
A mãe da virgem Maria,
João Batista é o padroeiro,
O filho de Zacarias,
O sacerdote hebreu,
Jesus seja nosso guia.
[...]
HOMENAGEM A NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO
Hino Oficial de Nossa Senhora da Imaculada Conceição |
Em seguida ao acolhimento, os professores se dirigiram para suas respectivas salas de aula, desta vez, os grupos pertencentes às DIREDs de Mossoró, Apodi e Umarizal ficaram em uma sala e a DIRED de Pau dos Ferros (a mais numerosa) ficou noutra sala.
Sala das DIREDs de Mossoró, Apodi e Umarizal |
O primeiro a explanar e dar início às discussões foi professor Abreu – (Apicultura) –, convocando os professores a falarem sobre as atividades econômicas de seus municípios e de que forma essas atividades são implementadas e se geram rendas suficientes para que os seus moradores adquiram autonomia econômica e consigam sobreviver sem a dependência das grandes empresas de agronegócios.
Professor Abreu |
A participação dos professores e técnicos agrícolas, nos exemplos de suas localidades, mostrando como são feitos os trabalhos de adaptação da melhor cultura – e que lhes tragam os benefícios econômicos – foram detalhados, principalmente, pelas equipes de Apodi, São Francisco Oeste, Serra do Mel, Dr. João Câmara, Luiz Gomes.
Cada interação era acompanhada atentamente por todos |
Todos observaram as dificuldades do pequeno produtor rural, a falta de incentivo por parte das autoridades, a política de preços praticados pelas grandes empresas, a falta de políticas públicas para o pequeno produtor, os caminhos da agricultura familiar sustentável e o êxodo rural.
Professor Edson |
A aula foi complementada pelo professor Edson – de Matemática – que trabalhou as questões de estatísticas e matemática financeira voltadas para o campo e suas peculiaridades.
ALMOÇO
Refeitório do IFRN - Pau dos Ferros |
AULA DA TARDE
Na parte da tarde, os professores receberam orientações sobre a Agricultura Familiar e a sustentabilidade, dadas pelo professor mestre Luciano, que fez um esboço sobre a questão fundiária no Brasil (O Brasil Colônia, seu sistema de Capitanias Hereditárias, as divisões em Sesmarias, a Lei de Terras de 1850).
Professores Luciano e Felipe |
O professor Luciano levantou a questão da Agricultura Familiar Sustentável e o papel do Educador do Campo no processo de conscientização e valorização da terra. As discussões obtiveram um bom índice de envolvimento das equipes e uma certeza: a dificuldade de continuar sedimentando esse homem ao campo é cada vez mais difícil – diante da presença do poder econômico, da concentração de terras por parte dos grandes latifundiários e, em especial, das empresas multinacionais voltadas para o agronegócio – e, por isso mesmo, a Agricultura Familiar vai perdendo o seu espaço diante dessa realidade. O que fazer diante disso tudo são os desafios que os professores e técnicos dos Saberes da Terra enfrentam e tentam, ordenadamente, discutir na Especialização.
Logo em seguida, foi a vez do professor Felipe – de Linguagens e Códigos – mostrar, através do PPP (Projeto Político Pedagógico) dos Saberes da Terra, como se dá essa questão de “pertença”, principalmente, para jovens filhos de moradores do campo.
Os debates foram proveitosos... |
A discussão começou através de pequenos trechos do livro Iracema, de José de Alencar, e o seu linguajar rebuscado, denso, por meio do qual o autor incorpora, ao dicionário da língua portuguesa, palavras nativas, próprias da linguagem indígena e, também, dialetos oriundos da região onde ele nasceu.
Vista panorâmica da sala |
Outro aspecto abordado pelo professor Felipe foi a questão dos desvios (ou erros gramaticais) das palavras orais. O professor citou Paulo Freire e deu vários exemplos de como essa convivência – entre o formal e o informal, nascido do conhecimento de mundo –, deve ser aproveitada, trabalhada e sistematizada pela escola, sem deixar, porém, que essa cultura seja banida e/ou esquecida pelo povo de cada região.
A VOLTA
A tarde vinha caindo, quando o grupo de professores da Serra do Mel fez o seu retorno. Um dia proveitoso, de bons ensinamentos, amplas discussões, boas leituras e interações. Enquanto o carro engolia o asfalto do caminho de casa, em suas margens, o cidadão do campo se preparava para comer o pão de milho com coalhada e rapadura. Um costume alimentar de séculos e que lhe dá forças e vigor para o trabalho árduo na terra. Em cada galho de árvore, os pássaros fazem revoadas e se preparam para mais uma noite silenciosa onde quem canta é a coruja; e nos campos ainda sem o mato verde, devido à estiagem dos últimos anos, o gado rumina o pouco que comeu durante o dia, abana seu rabo – espantando a mosca que procura em seu couro o alimento – e também se prepara para mais uma noite ao relento sob o brilho da deusa Lua...
Imagens da Web |
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