segunda-feira, 9 de abril de 2012

A LINHA DO TEMPO DE UMA MÃE GUERREIRA...

Nascida em uma família pobre, de sete irmãos, filha de um agricultor – no período invernoso – e oleiro, por sobrevivência – quando chegava o verão. Já sua mãe era uma dona de casa.

Última dos sete irmãos, ela teve uma infância com algumas dificuldades; mas, segundo contou, com certeza, melhor que a de todos eles.

Iniciou os seus estudos no bairro da Boa Vista/Mossoró, na Escola Reunida Nossa Senhora do Perpétuo Socorro; porém, por já estar fora de faixa, foi colocada na 2ª série.

No ano seguinte, por motivo de fechamento da escola, os alunos foram transferidos para a Escola Estadual Monsenhor Raimundo Gurgel, no bairro da Lagoa do Mato. Lá, iniciou a 3ª série, porém veio a concluir o ano letivo e o fundamental menor na Escola Lavoisier Maia.

O motivo é que, nesta época, ela estava morando com o seu irmão, já casado, no bairro da Abolição II. Em seguida, concluiu o ensino fundamental maior na Escola Adélia Gomes de Sousa, também no bairro da Abolição, com a idade de 17 anos. Foi nesta época, também, que ela voltou a morar com os seus pais, no bairro do Carnaubal.

Quando iniciou o 2º grau, na Escola Estadual Abel Freire Coelho, os obstáculos se tornaram mais visíveis e um deles era a distância entre a sua casa – no bairro do Carnaubal – e a escola, no bairro Nova Betânia. Devido a isso e às dificuldades com relação à falta de dinheiro para o transporte, ela, mesmo a contragosto, teve que desistir, momentaneamente, do sonho de se formar.

No ano de 1987, fez a matrícula, transferindo-se da Escola Estadual Abel Freire Coelho para a Escola Estadual Francisco Antonio de Medeiros, no bairro Belo Horizonte, para estudar lá, no turno noturno. Ia sempre na companhia do seu (agora) esposo – naquela época, namorado – e da sua irmã. Porém, o seu namorado conseguiu um emprego para trabalhar à noite; então, a sua irmã desistiu de estudar. Como o único acesso, para a escola, era por cima da antiga linha férrea – onde de um lado tinha uma lagoa e, do outro, uma cerca de aveloses – e sem nenhuma iluminação, ela foi obrigada a desistir também.

Casou-se em 1988. Na época, o seu marido era servente de pedreiro, ganhava muito pouco, sem condições de comprar ou alugar uma casa e, por isso mesmo, eles ficaram morando na casa de seus pais – isto até o ano de 1991, quando nasceu o seu primeiro filho. Como eles haviam economizado um pouco, foram, então, morar em uma casa comprada, aos poucos, na Favela do Carnaubal. O seu marido já tinha feito um curso de mecânico e trabalhava na profissão, apesar de ser autônomo, sem emprego fixo.

Os demais filhos vieram em 1993, 1995 e 1998.

O seu primeiro contato com a Escola Estadual Monsenhor Francisco de Sales Cavalcanti – o CAIC do Carnaubal – foi em 1999, quando fez a matrícula do seu filho mais velho. No ano seguinte, matriculou mais um (a filha do meio) e, em 2001, quando fazia matrícula do terceiro filho, comentou com a secretária da escola: “só falta abrir o Ensino Médio pela manhã aqui”. A secretária, então, falou que havia sido aberta uma turma no turno vespertino. Imediatamente, ela mandou transferi-los para o outro turno e, em seguida, saiu dali direto para a Escola Estadual Francisco Antonio de Medeiros, para pegar o seu histórico escolar, providenciar o restante da documentação e, com isso, voltar a estudar.

Quando chegou a casa, à tarde, comunicou a sua decisão de voltar a estudar. No inicio, o seu esposo não gostou muito da ideia, mas ela falou que se ele não comprasse o material, ela o arranjaria de qualquer maneira. Não teve argumentos mais para ele. No dia seguinte, ele saiu para ir trabalhar e não voltou na hora do almoço; mas, no final da tarde, ele chegou trazendo o caderno e as canetas que ela havia pedido.

Diante do que já havia ocorrido, quando por várias vezes ela tinha sido obrigada a desistir dos seus sonhos, desta vez ninguém botou fé na sua decisão de terminar o ensino básico e todos faziam prognósticos de que, no máximo até o meio do ano, ela desistiria. A pergunta mais frequente e desanimadora que ouvia era: “como é que você vai estudar com quatro filhos pequenos em casa?”

O seu primeiro dia de aula, depois de doze anos sem frequentar uma sala de aula, foi no dia 8 de março de 2001.

No inicio, ela se sentia deslocada, pois era a mais velha da turma, ou melhor, do turno inteiro. Uma de suas colegas de turma, hoje amiga, na primeira vez em que olhou para ela, disse: “o que é que essa velha está fazendo aqui?”

A “velha”, no entanto – e contrariando as sombrias previsões –, no terceiro bimestre já estava aprovada em todas as disciplinas. Então, para ajudar às colegas de classe e ganhar, com isso, uns trocados, começou a fazer os trabalhos passados pelos professores. Desta forma, tinha sempre um trocado para ajudar no café dos seus filhos. E essa fórmula fez sucesso nos 2º e 3º anos.

No ano de 2004, houve uma novela: haveria ou não vestibular? Mesmo assim, ela se preparou, com a ajuda de alguns professores – que disponibilizaram seus fins de semana para a preparação tanto dos alunos do terceiro ano do CAIC Carnaubal quanto dos alunos da comunidade que tivessem interesse. Com o reforço das aulas aos sábados e o seu esforço todas as tardes, ela se sentiu pronta para fazer o exame mais esperado de sua vida.

Com a decisão de haver – naquele ano –, de fato, o PSV, ela fez a sua inscrição em Pedagogia, na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. Quando saiu o resultado e o seu nome constava da lista dos aprovados e, ainda por cima, em 1ª lugar entre os concorrentes da Escola Pública, “a sensação foi muito boa. Uma espécie de alma lavada. Uma resposta aos que não acreditavam em mim, àqueles que não me apoiaram e aos que apenas davam conselhos para que eu não voltasse a estudar”, disse.

No ano de 2005, ela voltou ao CAIC do Carnaubal, agora como bolsista, lecionando no fundamental maior e na EJA, para suprir o déficit de professoras da escola.

No final do ano de 2005 – e já cursando o 5º período –, engravidou novamente. Por orientação médica, já que a gravidez era de risco, ela não voltou a lecionar no ano de 2006. Entretanto, para não perder os períodos na Faculdade, ela não trancou a matrícula, tendo, neste período, o acompanhamento domiciliar. Assim, quando a sua filha fez três meses, retornou às aulas na UERN. No tempo que passava na Universidade, o seu bebê era cuidado pelos seus filhos mais velhos – que já estavam com 15 e 13 anos, respectivamente.

Antes de terminar o curso de Pedagogia, no ano de 2007, prestou concurso para professora da Prefeitura de Mossoró. Acertou 31 das 40 questões; mas, como não tinha titulação, não foi convocada.

No ano de 2008, no mês de abril, com mérito, concluiu o curso de Pedagogia. No mês de agosto de 2008, fez a sua matrícula no curso de pós-graduação e, com ajuda de sua cunhada, pagou as mensalidades, tendo obtido o título de Especialista em Psicologia Escolar e da Aprendizagem, no ano de 2010.

Em 2010, voltou ao CAIC Carnaubal, desta feita, como amiga da escola.

Durante o ano de 2011, para ajudar nas despesas, deu aulas de reforço, em sua própria casa.

No mês de novembro de 2010, mas precisamente no dia 15, ao abrir a página da UERN, viu o Edital de Seleção para Professor Substituto – na Faculdade de Educação.

Como é exigido o Currículo Lattes e ela não o tinha, foi à busca da pesquisa. Passou de terça à quinta-feira para conseguir preencher o seu currículo, mas como esse só é publicado 24 horas depois de enviado, ela perdeu as esperanças.

Só na sexta-feira, à tarde, é que ele foi publicado. O prazo que lhe sobrara, para fazer a inscrição, era só até às nove da noite. Não desistiu e, chegando lá, contou com a ajuda de uma ex-professora para atualizar o currículo, pois faltavam alguns dados. Mas, no final, ela conseguiu.

No dia 20 de novembro, prestou concurso para professora do estado.

No dia 21, às oito da manhã, foi à UERN, para o sorteio dos temas, e quando viu as suas concorrentes, deu-lhe vontade de desistir. Não acreditou na sua capacidade, mas, como tinha feito uma promessa de nunca mais desistir diante das dificuldades, foi até o fim.

Com o tema na mão, ela correu para casa para preparar a aula didática. Contou, para isso, com a grande ajuda de um sobrinho – na tecnologia do computador –, pois não dominava (ainda) a informática muito bem. Ele lhe ajudou nos slides e a preparar a aula para que ela não se perdesse no tempo.

Com tudo pronto, apresentou a sua aula didática à banca, na terça-feira, dia 22. Na quinta-feira, dia 24, ao abrir a caixa de mensagem teve a grata surpresa de saber que tinha sido selecionada para o cargo de Professora Substituta do Curso de Pedagogia, para o semestre de 2011.2.

Quanto ao concurso do estado, foi aprovada na 143ª colocação e, como já foram convocados mais de cento e dez, faltam poucas colocações para que ela também seja chamada.

Depoimentos:

“Aluna aplicada, não faltava às aulas, apesar das dificuldades e dos filhos pequenos. Nunca deixou de fazer as tarefas e, com isso, galgar mais um degrau na vida. Ela é um exemplo a ser seguido, pois fez das suas dificuldades o alicerce para progredir, diferentemente de muitos alunos que desistem no primeiro obstáculo que enfrentam” (Vera Lúcia – professora de Português e Literatura – CAIC Carnaubal).


“Falar dessa guerreira é muito fácil e, também, muito importante, pois o exemplo dela serve de estímulo e motivação para outros alunos que têm uma história de vida parecida com a dela. Conheci-a, como aluna e, ao mesmo tempo, como mãe, pois, para vir à escola estudar, ela precisava caminhar com seus quatro filhos – três na mesma escola que ela e um que ficava na creche ao lado da escola –, todos os dias, um bom pedaço de caminho. Todos eles na faixa etária entre 5 e 12 anos. Tive o privilégio de ser a sua professora e trago, em imagens, a sua determinação, a sua coragem e, principalmente, a sua vontade de querer conseguir o seu espaço, tornando-se uma cidadã plena” (Ângela Maria Fernandes da Silva – professora de Ciências – CAIC Carnaubal).

“Tive o privilégio de ser o seu professor lá no CAIC. Dela, trago boas lembranças. Dedicada, estudiosa e organizada são adjetivos próprios à pessoa que ela é. Um exemplo, sem sombra de dúvidas, a ser seguido pelos estudantes da comunidade do Carnaubal” (Raimundo Antonio – professor de História – CAIC Carnaubal).

Vandi Alda Matias de Sena, 43 anos, graduada em Pedagogia, especialista em Psicologia Escolar e da Aprendizagem, 1ª aluna do CAIC Carnaubal a passar no PSV, mãe de 5 filhos. Último emprego: professora substituta da Faculdade de Educação da UERN.


“Para as pessoas que não acreditam que podem melhorar suas vidas; que se acham velhas para aprender algo, eu espero que essa Linha do Tempo sirva para incentivá-las e fazê-las correrem atrás de seus sonhos. E nunca deixem que pessoas negativas e/ou pessimistas influenciem suas vidas. Não importa se você é velho (a) ou novo (a) – principalmente as mulheres, que elas não se contentem com o pouco que a vida lhes oferece, vocês, ou melhor, nós merecemos muito mais – é só levantar e correr atrás de seus sonhos. E se acham que eu já fui longe, estão enganados... Agora eu vou tentar o mestrado”.

NOTA DA 12ª DIRED:

A professora Magali Delfino – diretora da 12ª DIRED – destaca a determinação, a força de vontade e a perseverança da professora Vandi Alda e a parabeniza por sua trajetória em busca do conhecimento e pelo exemplo que dá para os mais jovens.


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