Como a Natureza é pródiga! Como ela se doa e nos mostra, em exemplos, como é viver em comunhão com as coisas de Deus! Há um mês, viajando pelo sertão oeste do Rio Grande do Norte – em busca da cidade de Pau dos Ferros/RN, os professores dos Saberes da Terra, do município da Serra do Mel/RN, olhavam, ainda desesperançosos, as folhagens cinzentas e secas das árvores à beira da estrada – pelo caminho que passavam.
Um mês depois, pelo mesmo caminho, o quadro já está totalmente diferente. Apenas duas chuvas e a Natureza viva despertou de sua hibernação, para explodir em cores vivas, entre elas, um verde cheio de esperança, alegrando olhos e ratificando a fé do homem do campo que nunca deixou de acreditar que a fartura está para chegar.
Os professores da Serra do Mel, transeuntes mensais desse milagre, sorriram de alegria ao verem, em cada paragem, a vida seguindo o curso de sua história, com homens e mulheres começando a preparar a terra para receber, primeiro, as sementes que dão continuidade à vida; depois, vindas dos céus, as gotas do líquido da vida.
É a vida que se renova, enche-nos de esperança e mostra-nos como é possível a transformação, em pouco tempo, do nada para o tudo; da falta para a fartura...
CHEGADA AO IFRN
Enquanto os professores iam chegando, vindos de seus municípios, os professores da Serra do Mel se confraternizavam com os professores de Pau dos Ferros (1), no pátio central do Instituto Federal do Rio Grande do Norte - polo de Pau dos Ferros/RN
Pau dos Ferros (1) e |
Serra do Mel |
ACOLHIDA
A acolhida, desta vez, ficou por conta dos professores da cidade de São Miguel/RN, que receberam, no auditório da instituição, os colegas vindos dos vários municípios que integram as DIREDs de Mossoró (12ª), Apodi (13ª), Umarizal (14ª) e Pau dos Ferros (15ª). Os professores prepararam uma paródia em cima da música de Luiz Gonzaga “Na Feira de Caruaru”, para recepcionar a todos:
A feira de Caruaru faz gosto de a gente ver, de tudo que há no mundo, nela tem para vender (refrão)
No UFRN de Pau dos Ferros dá gosto de estudar, todo conhecimento nele se pode buscar.
Tem São Francisco do Oeste, Pau dos Ferros, Francisco Dantas e até Encanto.
Tem Rafael Fernandes, Porto Alegre e até Riacho de Santana.
Tem Cel. João Pessoa, Luz Gomes, Venha-Ver e até Água Nova...
A feira de Caruaru faz gosto de a gente ver, de tudo que há no mundo, nela tem para vender (refrão)
Tem DIRED de Pau dos Ferros, de Umarizal Apodi e Mossoró.
Tem São Miguel que vale a pena lembrar:
estamos aqui lutando para a educação do campo enfrentar
A feira de Caruaru faz gosto de a gente ver, de tudo que há no mundo, nela tem para vender (refrão)
Em seguida à acolhida, a professora Fátima Maria de Oliveira – representando a instituição – fez uma homenagem ao Dia Internacional da Mulher, recitando uma poesia de sua autoria intitulada “Somos todas Margaridas”, em memória de Margarida Alves, sindicalista rural da Paraíba, morta em 1973:
Professora Fátima Maria de Oliveira |
Era luta todo dia
Labuta de casa à roça
E sabia que a terra que via
Sairia dali boas novas
Por isso cantava para todos os lados
A música da liberdade
Denunciando os abusos
Dos donos de terra e da verdade
Mas foi em um dia desses
Um dia desses de luta
Que capangas lhe tiraram a vida
Em nome dos que dominavam
Incomodava a mulher
Que falava pelos seus
Mulher que já era flor
Cuja vida o nome lhe deu
Hoje são muitas mulheres
Espalhadas pelos campos do Brasil
Todas pela vida, em marcha, floridas
Todas em luta Margarida.
Por último, o padre Denis – da DIRED de Pau dos Ferros – completou as homenagens, recitando, de sua autoria, “Dia da Mulher”:
Padre e professor Denis |
I
Oito de março abençoado
Você sabe por que é
Dia muito importante
Trata-se da mulher
Mãe, guerreira e trabalhadora
Além de ter muita fé
II
Mesmo que não seja mãe
Ela é mulher mesmo assim
Não se exime o seu feminino
No seu não e no seu sim
No trabalho ou na casa
Mulher é sempre:
Ontem, hoje, até o fim
III
Na cidade ela atua
No comércio e educação
Busca emprego, contribui
Com o social, com a ação
Ela é empreendedora
Não se furta a contramão
IV
No campo é pioneira
No lar e no roçado
Ajuda ao seu marido
Na enxada e no machado
A mulher não se acomoda
Contribui com lealdade
V
Quem disse que é inferior
Da costela foi tirada
Não foi do calcanhar
(pra não ser pisoteada)
E, sim, do lado do homem
Para ser amada e respeitada
VI
Mulher, também se valorize
Não incorra à banalidade
Valorize o que tu és
Não seja só vaidade
Por que como o homem também
És pó, terra, cinza e transladada
VII
O ser humano é plural
A mulher tem sexto sentido
Ela tem intuição
Vê mais longe e é aguerrida
Tem atenção dobrada
Muito gosto pela vida
VIII
Nas ações sociais
De lutas e cidadania
Ela tem participado
Com garra e ousadia
Em educação é pioneira
E até são maioria
IX
Esqueci-me de contemplar
Mulheres afros e ameríndias
Negras, pardas, amarelas
Que o povo chama de índias
As primeiras do Brasil
Quando tudo era mais lindo
X
Da mãe África arrancaram
Grande e forte etnia
O povo negro que trabalhava
Em seu dia a dia
Escravos, amas e cozinheiras
Uma história tão sombria
XI
Negros e índios contribuíram
Com o que hoje é Brasil
Miscigenaram-se com os brancos
E não houve atrofia
Hoje somos conhecidos
Por tão diversa etnia.
XII
Dos quilombolas nós temos
Grande herança de Zumbi
Do guerreiro e libertário
Negro forte como açaí
Que deixou o seu legado
Aos negros dos Palmares
E, também, os daqui
XIII
Os índios contribuíram
Com a cultura e diversidade
Costumes e alimentação
Até nomes de cidades
Ainda temos raízes dessa gente
De cultura tão bonita
Rica e, infelizmente, desvalorizada.
Depois, de pé, todos cantaram "Mulher" de Erasmo Carlos...
Da comunidade quilombola “Do Comum”, em Cel. João Pessoa, o IFRN trouxe, para falar sobre a sua comunidade, a professora Raimunda - negra bonita e forte que, com seu jeito altivo, falou sobre o seu povo – deixando transparecer, em sua fala, o orgulho que tem de suas raízes.
A professora falou, de forma genérica. E, quando perguntada sobre o dia a dia de sua comunidade, as suas dificuldades, o reconhecimento, ela revelou que, infelizmente o preconceito e a discriminação ainda existem, além da exploração da qual o seu povo – em especial as mulheres – é vítima.
Professora Raimunda... |
Das coisas boas, a professora falou do artesanato produzido (louças de barro) na sua comunidade, as novidades que estão surgindo; dentre elas a capoeira – um velho costume de seus antepassados que os jovens estão aprendendo – e a dança (forró pé-de-serra), que eles descobriram ser uma boa opção de lazer.
... foi ouvida... |
... com atenção pelos presentes |
No final, o padre e professor Denis agradeceu, em nome de todos os presentes, a presença e o depoimento da professora Raimunda.
SALA DE AULA
Terminadas as homenagens, as turmas foram divididas, como na última vez, e cada município se dirigiu para a sua respectiva sala.
Professores Edson e Felipe... |
... e os cursistas... |
... à espera de começar o seminário |
Lá, à espera do início de um seminário sobre uma pesquisa de campo feita pelos professores, em seus municípios. Na pesquisa, deveria estar inserido um quadro de experiências vivenciadas com a agricultura familiar na comunidade, com base em três pontos principais:
1 – A terra
• Tempo: demonstrar o tempo organizado para as tarefas do dia a dia e para as temporadas de produção
• Espaço: limites territoriais, recursos naturais, uso da terra
• Produção: modos de produzir no passado e mudanças
• Demandas e expectativas
2 – O trabalhador/trabalhadora
• Quem são: caras, trejeitos, idade, sexo, sua casa, sua família, amigos e parceiros
• Como trabalham: o que gostam de fazer, como gostam de fazer, relação familiar – com os vizinhos, com a cidade
• Expectativas pessoais: sonhos
3 – Tecnologia
• Equipamentos utilizados: ontem e hoje
• Qualidade dos equipamentos
• Incentivos públicos e/ou privados para a compra de equipamentos
• Resultados
• Expectativas
Na sala dos professores Abreu (Apicultura), Edson (Matemática) e Felipe (Literatura), os municípios de:
Pau dos Ferros (01 e 02)
Encanto
Cel. João Pessoa
São Miguel
São Francisco do Oeste
Venha-Ver
Serra do Mel
A riqueza do material apresentado, pelos professores em suas pesquisas, mostrou a importância de se fazer, periodicamente, seminários voltados para o tema diversidade e suas implicações diante do tempo, do espaço e dos avanços tecnológicos da sociedade urbana.
Contudo, ficou claro, diante dos trabalhos apresentados, que a agricultura familiar ainda persiste, porém praticada pelos mais velhos, sendo abandonada pelos mais jovens, que preferem o imediatismo de uma carreira – em que o dinheiro vem no final do mês e é certo – a produzirem na terra ainda (em muitos casos) dependendo da natureza e de ajudas sociais dos governos estaduais.
A terra, na maioria dos trabalhos apresentados, está devoluta em seu aproveitamento, pois apenas uma pequena parte dela ainda produz o sustento e a cultura próprios da região. Em muitos exemplos dados (e vistos através de vídeos), o homem do campo se queixa da falta de incentivos, a falta de maquinários novos que acompanhem o progresso, a falta de aprimoramento das técnicas hoje utilizadas no plantio e cultivo das culturas de cada região.
AS APRESENTAÇÕES
1 – Serra do Mel
Aílton Targino
Elizângela Sales
Jacildo Silva
Raimundo Antonio
Teresa Cristina
2 – Encanto
Eulália
Glauber
Ubirajânia
Edna
Elizonete
3 – Cel. João Pessoa
Mitza
Sandra
Lindezângela
Damiana
Joaquim Rego
4 – São Miguel
• Socorro Rodrigues
Cláudia
Josefa
4 – São Francisco do Oeste
Meire
Wellitânia
Telma
Totonho
5 – Venha-Ver
Edilene
Elba
6 – Pau dos Ferros (1)
Alzivânia
Álysson
Edna
Emanuel
Francisca
Leylane
Maria
Narla
Rosali
7 – Pau dos Ferros (2)
Padre Denis
Conceição
Rose
Zé Maia
Edilene
PLENÁRIA (AUDITÓRIO)
A professora Amélia... |
... usou da palavra para dar os últimos informes (data das próximas aulas, viagem a Natal, documentação e o kit de material, etc.) |
Após as apresentações, que duraram o dia inteiro, no final da tarde, os professores se dirigiram para o auditório e lá foi feito um resumo – pelos professores Felipe e Luciano – dos trabalhos apresentados no Seminário das duas salas.
Os professores Luciano... |
... e Felipe foram os que resumiram os Seminários apresentados |
Algumas considerações, por parte dos professores, corroboraram as pesquisas realizadas, dentre elas:
• Para os jovens que fazem parte do programa Saberes da Terra, o retorno, em termos de dinheiro, tem que ser imediato. Por isso, para uma boa parte deles, sair de sua localidade e ir procurar emprego na cidade, e até fora do seu estado, ainda é a alternativa mais utilizada por eles.
• Muitos dos entrevistados alegam que o fato de o trabalho na terra ser pesado e cansativo contribui para que eles não tenham estímulos para, à noite, assistirem às aulas, produzindo neste caso, a evasão da sala de aula, não do programa.
• Ficou claro que, em muitas localidades, o serviço ainda é feito de forma artesanal, braçal, sem uma estrutura adequada e tecnológica e, quando tem, já com mais de 30 anos de uso, o que dificulta o progresso e, consequentemente, o aumento da produtividade das lavouras, afastando, assim, os jovens.
• Também ficou evidente que o jovem do programa, em muitos dos casos apresentados, não possui o sentido de “pertença” à sua localidade e que, devido a isso e aos fatores aqui enumerados, prefere sair para trabalhar e estudar e muitos deles nem voltam mais para a sua comunidade.
• Um ponto que causou surpresa, já que o programa Saberes da Terra é voltado para a agricultura familiar e a sedimentação do jovem ao seu solo natal (para que ele venha a concluir os seus estudos e, através do conhecimento, melhor se adequar à terra onde vive e nela produzir o seu sustento e a sua renda, independente da cidade e, especialmente, dos atravessadores), é que o jovem não se interessa pela terra. Ele prefere (ainda) o sonho de se empregar em grandes capitais e, através disso, realizar seus sonhos de prosperidade, de um futuro melhor.
A VOLTA
Na volta, o tempo do fusco-luso estava pejado e as nuvens da mãe Natureza prenunciavam boas perspectivas de chuvas para o oeste potiguar neste final de semana. O agricultor, à beira da estrada, lavava os pés e se preparava para comer o pão de milho com leite e rapadura preta do Cariri. Enquanto isso, os professores corriam pelas estradas asfaltadas em busca de seus lares, cada um com o pensamento voltado para o Ser que produziu, com perfeição, o espetáculo da vida.
Um comentário:
Educação do Campo: Rompendo Cercas,
Construindo Caminhos...
IFRN de Pau dos Ferros, fazendo a diferênça.
Um grande abraço aos professores do Projovem Campo do Alto Oeste e de Serra do Mel.
Nerione Garcia
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