A noite escura da Serra – à frente do para-choque do veículo que levava os professores para mais uma aula – contrastava com a claridade das luzes que iam ficando para trás e que revelavam o caminho provável de onde o carro tinha partido. No interior do veículo, os professores repassavam, mentalmente, suas anotações de planejamento e adiantavam, com isso, os repasses de conhecimentos que iam fazer na Escola Estadual Padre José de Anchieta. Alguns carros cruzavam nesse vai e vem daqueles que se dirigem, em sentido contrário, para cumprirem suas missões e dos que vão na mesma direção, porém de forma mais rápida, para cumprirem o seu papel de guardiões da ordem pública. E esses precisavam, sim, de pressa. Mais na frente, depois que os professores passaram da vila Alagoas e antes de chegarem à vila Sergipe, a claridade excessiva que tomava conta do asfalto à frente, em forma de labaredas, a fumaça e as luzes de viaturas e carros de passeio, denotavam que alguma coisa estava fora de sua normalidade. Quando o carro se aproximou e foi envolvido pela nuvem de fumaça que vinha da madeira que queimava, colocada no meio do asfalto, impedindo, com isso, o ir e vir dos que trafegavam pela rodovia, o que os professores ouviram foram gritos de ordem e ordem para que todos parassem naquela barreira de madeira, fogo, fumaça e pessoas em torno de um propósito comum.
A primeira visão que os professores tiveram.. |
... a manifestação pacífica dos moradores da vila Sergipe/Serra do Mel que, ... |
... para serem ouvidos, interditaram a via de acesso à vila Rio Grande do Norte/Serra do Mel |
Diferentemente do que normalmente acontece, naquele local, o protesto era pacífico e feito de forma tranquila, apesar do impedimento momentâneo da via, tendo o acordo sido intermediado pelas autoridades locais – dentre elas um edil – e a sua ordem garantida pelos policiais que, em nenhum momento, usaram de métodos violentos para desobstruírem o caminho; muito pelo contrário, apelaram para a negociação e se prestaram ao papel da conversação como caminho para uma saída para o impasse.
A Polícia Militar foi um dos fatores de equilíbrio na negociação... |
... entre moradores, representantes públicos e os que buscavam chegar aos seus destinos |
E o entendimento veio. Depois de mais ou menos uma hora e meia de conversação, depois de vários acordos entre os moradores, o representante do executivo e o represente do legislativo local, a via foi liberada e todos, incluindo os professores, puderam seguir viagem para os seus destinos finais. *A imprensa registrou, através da TV Mossoró, o final das negociações.
Os policiais cumpriram com o papel de principais representantes da ordem pública e sem usarem de nenhum método truculento |
A TV Mossoró registrando o fato |
A partir dali, o crepitar da madeira feita fogo e soltando fumaça ficou para trás. Na frente, de novo, a escuridão da noite a acompanhar o carro em que estavam os professores. O caminho para a vila Rio Grande do Norte, distante dali dez quilômetros, ia sendo encurtado à medida que as conversas, as trocas de informações e a realidade dos que ainda dependem da agressão à natureza – mesmo sendo para conseguirem o mínimo de que precisam para satisfazer as necessidades básicas de qualquer cidadão desse país – para chamar a atenção dos que vão e vem e que, na maioria das vezes, não se preocupam com o bem-estar do próximo.
NA ESCOLA:
Já na sala de aula, os professores se voltaram para o conteúdo planejado, começando com um texto do escritor mineiro Bartolomeu Campo de Queiroz, intitulado “Sombras na Noite” no qual o autor vai descrevendo, através das sombras da noite, em sua cama de dormir, os vultos desenhados nos objetos que existiam no quarto onde ele estava.
As professoras Antonia Farias e Teresa (a primeira, sentada à esquerda; segunda, de costas, em pé, à direita) |
Foram trabalhados gêneros textuais, sinônimos de palavras, interpretação de textos. Cada aluno/colono transpôs o texto e se fez autor ao descrever, em seus cadernos, seus medos de infância.
No último quadro à direita (embaixo), os filhos dos alunos/colonos que acompanham seus pais nos dia de aula |
A sexta-feira começou, para os professores dos Saberes da Terra, na sede da 12ª DIRED, em Mossoró/RN, para uma reunião com a coordenadora Helena Maia. A representante dos Saberes da Terra reuniu os professores para saber como andam os trabalhados desenvolvidos na Serra do Mel, as dificuldades que os professores enfrentam, os avanços alcançados pelas duas turmas (Caju e Castanha e Flor do Cajueiro), os problemas de locomoção, os relatórios, diários, etc.
Reunião no auditório da 12ª DIRED, sexta-feira, dia 27/09, às 09h00min com a coordenadora Helena Maia |
Os professores repassaram todas as informações que a coordenadora solicitou – anotadas em seu caderno de trabalho – e foram informados de alguns repasses vindos da coordenação estadual com relação ao cumprimento da carga horária, o compromisso com os alunos/colonos da Serra do Mel e sobre uma viagem a ser feita, com todos os alunos, para a cidade de São Paulo do Potengi, para que os alunos dos Saberes da Terra conheçam uma comunidade indígena da região.
A TARDE NA ESCOLA:
Em seguida, os professores se dirigiram à Serra do Mel – vila Rio Grande do Norte –, à Escola Estadual Padre José de Anchieta, para mais uma tarde de compromisso com os alunos/colonos das 22 vilas que compõem o município da Serra do Mel/RN.
Professora Elizângela |
À tarde, foram trabalhadas as disciplinas Língua Portuguesa e Matemática, através de um texto em que o aluno/colono ia colocando, nos espaços em branco, a sua vida em números. A interação entre os dois professores permitiu a fluidez e a interdisciplinaridade, exercitando o sistema decimal com suas classes e, também, seus códigos.
À noite, os professores continuaram com Matemática e Língua Portuguesa através do exercício textual com espaços em branco para serem completados com os números e, em seguida, problemas envolvendo adição e subtração, para fechar o conteúdo da noite.
Na volta, depois de 10 horas de atividades – sem contar o translado –, os professores sorriram com o resultado daquela semana: apesar das dificuldades habituais (**distância percorrida pelos alunos/colonos para chegarem à escola, o cansaço demonstrado nos rostos depois de um extenuante dia de trabalho, o pouco tempo que eles encontram para resolverem suas atividades – de casa e de sala de aula), a certeza de que, mais uma vez, a semente foi regada de forma a garantir, mesmo com todas as adversidades, os seus retornos na semana seguinte, para mais um repasse de conhecimentos.
NOTA DA 12ª DIRED:
*O professor e jornalista Raimundo Antonio também registrou as imagens, porém não fez uso delas, divulgando-as. Estão guardados, em seus arquivos, os momentos mais tensos, mais marcantes e que culminaram com o entendimento entre moradores, homens públicos e a Polícia Militar.
**os alunos/colonos do município da Serra do Mel são diferenciados dos demais alunos de outras localidades onde existe Saberes da Terra pois, para chegarem à sala de aula, eles percorrem 5, 10, 15, 20 e até 25 quilômetros por estradas de terra, pedra, areia e buracos, em ônibus cedidos pela prefeitura municipal de Serra do Mel/RN. Isto, depois de passarem o dia na labuta da cultura da castanha e/ou no traquejo de seus roçados.
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